Os magos são videntes. O que eles vêem? A realidade como um todo, e não suas múltiplas partes.
-Você sempre foi mago?- perguntou o menino Arthur.
-Como eu poderia ter sido?- retrucou Merlin. - Eu já vivi como você, e quando eu olhava para uma pessoa, tudo que via era uma forma de carne e osso. Mas depois de algum tempo, reparei que as pessoas vivem em casas que prolongam seu corpo: pessoas infelizes com emoções desordenadas vivem em casas desordenadas; pessoas felizes e satisfeitas vivem em casas arrumadas. Era uma simples observação, mas depois de algum tempo cheguei à seguinte conclusão: Quando vejo uma casa, estou na verdade enxergando mais daquela pessoa.
“Minha visão então se expandiu. Quando eu via uma pessoa, eu também não podia deixar de ver sua família e seus amigos. Essas também eram extensões da pessoa e me diziam muitas coisas sobre ela. Mas minha visão se expandiu mais ainda. Comecei a enxergar debaixo da máscara de aparência física. Vi emoções, desejos, temores, anseios e sonhos. Sem dúvida todos esses são parte de uma pessoa, se tivermos olhos para enxergá-los.” Comecei a observar a energia que cada pessoa emana. Nessa ocasião, a disposição física de carne e osso da pessoa se tornara praticamente insignificante, e logo avistei mundos dentro de mundos em todas as pessoas que encontrava. Depois compreendi que cada coisa viva é todo o universo, apenas vestida num disfarce diferente.”
- Isso realmente é possível? – perguntou Arthur.
- Um dia você perceberá que todo o universo pode ser encontrado dentro de você, e nesse dia você será um mago. O mago não vive no mundo; o mundo vive nele. “ Século após século o mago tem sido procurado em todos os lugares, nas florestas ou cavernas profundas, nas torres ou nos templos. O mago viajou usando nomes diferentes: filósofo, mágico, vidente, xamã, guru.’ Diga-nos por que sofremos. Diga-nos por que somos fracos demais para gerar uma vida satisfatória para nós mesmos’. Somente diante de um mago poderiam os mortais desabafar perguntas tão difíceis. Depois de escutar com muito cuidado, os magos, os mestres e gurus disseram a mesma coisa. ‘ Posso solucionar essa massa de ignorância e dor se vocês compreenderem uma única coisa. Estou dentro de vocês. Essa pessoa separada que parece estar falando com vocês na verdade não é separada. Somos um só, e no nível em que somos um só, nenhum dos nosso problemas existe’. Quando Arthur queixou-se certa vez de que Merlin o mantinha na floresta, permitindo apenas que ele tivesse breves vislumbres do mundo, Merlin ficou furioso: - O mundo? Como você imagina que as pessoas vivem, aquelas que viu no vilarejo ? Elas se preocupam com o prazer e a dor, buscando o primeiro e desesperadamente evitando a segunda. Estando vivas, elas desperdiçam a vida preocupando-se com a morte. A riqueza e a pobreza as obcecam e alimentam seus mais profundos receios. Felizmente, o mago interior não vivencia nada disso. Como ele enxerga a verdade, ele não vê a inverdade, porque o jogo de opostos - prazer e dor, riqueza e pobreza, bem e mal - só parece real enquanto não aprendemos a enxergar dentro da estrutura mais ampla do mago. No entanto, não há como negar que esse drama da vida cotidiana é extremamente real para as pessoas comuns. O espetáculo externo da vida é a vida se você só acredita em seus sentidos, naquilo que você vê e sente. Os mortais procuravam os magos para resolver essa obsessão com a aparências e esse anseio de significado. É preciso que haja algo além do que o que estamos vivendo, pensavam os mortais, sem saber exatamente o que poderia ser esse algo mais.
- Não passe o tempo refletindo sobre o que você vê - aconselhou Merlin a Arthur - e sim sobre por que você o vê. A lição, portanto, se resume no seguinte: olhe além do seu eu limitado para ver seu eu ilimitado. Penetre a máscara da mortalidade e encontre o mago. Ele está dentro de você, e somente ali. Tão logo você o encontre, você também será um vidente. Mas o que você pode ver desponta no tempo propício, paulatinamente. Antes de você enxergar, surge o sentimento de que a vida encerra mais coisas do que as que você está vivendo. É como uma voz indistinta que sussurra; ” Encontre-me.” Essa voz é neutra, tranquila, satisfeita em si mesma - e impalpável. É a voz do mago, mas também é a sua.
Trecho extraído do livro “O Caminho do Mago’’ de Deepak Chopra.