A beleza, o encanto, o conforto de uma casa ou de um apartamento são fáceis de apreciar. Uma simples visita do comprador eventual ou do candidato a inquilino bastará para comprovar as dimensões do lugar, sua iluminação, a distribuição dos aposentos, as instalações, a quantidade de ruído, o panorama, a ventilação, a vizinhança... e muitas coisas mais.
Não obstante, o mais meticuloso visitante poderá saber, no momento de tomar sua decisão, se essa casa lhe convém realmente. O arquiteto, o higienista, o decorador ou qualquer outro artífice serão incapazes de lhe informar adequadamente a este respeito, não poderão colocá-Io de sobreaviso, nem lhe advertir: Cuidado! Esta casa que lhe parece tão bonita, tão confortável, tão bem situada, é perigosa para você. Pode acarretar-lhe infortúnios ou enfermidades. Não se instale nela sob pretexto algum antes de ter consultado um especialista que lhe garanta a possibilidade de tornar sua casa saudável e inofensiva.
Ao pisar pela primeira vez na casa recém comprada ou alugada, o novo ocupante pode estar seguro de que penetra numa verdadeira armadilha que, com a aparência de uma caixa mágica de quatro paredes, um teto e um assoalho, influirá irremediavelmente em seu destino. De fato, a casa - seja familiar ou individual - aprisiona o homem numa rede de linhas de força que condicionam tanto sua saúde como sua felicidade e estado mental.
Sim: em sua casa, o homem está numa armadilha. Nesse lugar onde vive, onde dorme, onde se integra a uma comunidade humana e ao mesmo tempo a um ambiente geográfico, o homem corre o risco de se ver bombardeado, trespassado, triturado, condicionado pelas forças que nascem e emanam do subsolo, dos alicerces da casa ou das chuvas imateriais que se precipitam do cosmos, ou mesmo dos materiais empregados para a construção do edifício, ou de linhas inventadas por um arquiteto irresponsável, ou de objetos e decoração cuja geometria pode irradiar "ondas de forma" mais ou menos violentas, ou dos mistérios simbólicos ou analógicos que regem de um modo inexplicável tantas influências ocultas, ou da memória das paredes que, tendo conhecido no decurso dos anos acontecimentos dramáticos ou penosos, irradiam ainda a desgraça ou o crime até o extremo de corromper o ar que respiram os atuais habitantes...
Por estas razões - uma dentre elas, ou várias - a casa (ou parte dela) converte-se numa caixa de ressonância dentro da qual seu ocupante acha-se reduzido a um simples joguete de todas essas forças múltiplas desencadeadas.
Certamente existem casas neutras que não influem em nada em quem as habita, exceto por sua comodidade ou incomodidade. Certamente é muito diferente viver num palácio ou numa choupana, num sétimo andar ensolarado ou num andar térreo que dá para um escuro pátio interno, ocupar duas pessoas um apartamento de quatro quartos e grande luxo, ou quatro um pequeno estúdio-kitchenette. Mas todas estas vantagens ou inconvenientes - conseqüência inevitável da desigualdade econômica - saltam à vista: não são mais que situações conjunturais isentas tanto de mistério quanto de remédio. Pelo contrário, o que se pode combater ou prevenir são as influências invisíveis, objeto do presente estudo; quer dizer, aquelas que, sem que ninguém o saiba, emanam das paredes; aquelas que decidem o destino de quem habita entre elas.
A ninguém passa desapercebida a utilidade de poder decifrar tais influências, antes de ser vítima delas, e óbvio, não? Quanta gente viveu toda a vida com saúde precária ou morreu prematuramente porque ignorava que os alicerces de sua casa se apoiavam sobre uma falha geológica ou eram atravessados por uma corrente telúrica? Quantos tiveram suas oportunidades malogradas, arruinaram sua felicidade familiar só pelo fato de habitar, sem saber, uma casa maléfica ou maldita!
Em contrapartida, alguns afortunados alcançaram a felicidade simplesmente porque viviam em casas cujas emanações invisíveis favoreciam seus empreendimentos, confortavam sua saúde, criavam em torno deles um clima favorável.
Porque efetivamente também existem as casas benéficas: quem as habita encontra uma tão perfeita harmonia com o lugar que sua fortuna é intensificada ao ponto de adquirir uma vibração extraordinária. Esta espécie de refúgio privilegiado predispõe â felicidade, cria condições necessárias para uma vida ditosa, em suma, são benéficas... e são com a mesma força, com a mesma evidência com que outras casas manifestam sua maleficência.
A melhor qualidade de uma casa não pode ser mais que proporcionar a felicidade a seus ocupantes. Semelhante vantagem devidamente reconhecida e provada - deveria bastar para duplicar seu preço de venda ou de aluguel. Mas quem se atreveria a tomar isto em consideração? Por acaso o arrendatário e o arrendador declararam alguma vez perante o notário que a residência objeto de seu contrato é benéfica, ou pelo menos que não é maléfica? Parece claro que tais epítetos não se acomodam demasiado ao espírito das transações imobiliárias.
Tanto pior, porque segundo meu modo de ver é injusto que as casas benéficas não gozem, enquanto tais, de um valor suplementar, dado que as casas maléficas, por sua parte, sofrem uma efetiva depreciação. Há edifícios, apartamentos, que são praticamente invendáveis por terem má reputação e, como todo mundo sabe, seja calúnia ou maledicência, esta classe de acusação divulga-se rápida e amplamente, tanto na credulidade como no temor supersticioso dos possíveis compradores.
Casas que Matam - ROGER DE LAFFOREST